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Equilíbrio Da Concessão De Crédito é Desafio Para Instituições Financeiras

Equilíbrio da concessão de crédito é desafio para instituições financeiras

Por Tharik Moura*

De acordo com o Relatório de Economia Bancária (REB) divulgado pelo Banco Central, em junho, o volume de cartões de crédito – 190,8 milhões – representava quase o dobro da população economicamente ativa do Brasil – 107,4 milhões. Este dado traz o perfil de utilização de cartões de crédito no país. Vale uma reflexão a partir dessa radiografia, consequência da concessão de crédito em larga escala para os brasileiros feita nos últimos anos, com uma população de 70 milhões de famílias endividadas.

Acredito que a pandemia foi a grande impulsionadora desse quadro, quando as pessoas enfrentaram dificuldades com a queda na renda e o aumento do desemprego, atrelado à uma capacidade mais escassa de consumo. Além, é claro, das empresas que sofreram com severos entraves financeiros – muitas, inclusive, baixando suas portas. O estrago foi grande e nunca o crédito foi tão essencial para ajudar a sociedade, seja as pessoas físicas ou as pessoas jurídicas, em um período que não havia visibilidade sobre a data de término do avassalador Covid-19 e quais seriam suas potenciais e iminentes consequências.

Do outro lado, a pandemia impulsionou a transformação digital nas empresas, e no setor financeiro não foi diferente. Tivemos o surgimento, ou até mesmo a aceleração, das fintechs, que aproveitaram para surfar uma onda de oferta de crédito com custos atrativos. No entanto, essa onda de concessão de recursos, em algum momento, estouraria em alta da inflação, e consequentemente, e por motivos óbvios, no aumento galopante da inadimplência.

As empresas começaram a oferecer e disponibilizar crédito com o olhar míope, pensando apenas na ampliação da carteira de clientes, e em paralelo, no aumento dos limites ofertados, de modo a maximizar os seus números de curto prazo. Naquela época, houve um vasto crescimento e exposição dos fundos de Venture Capital, precificando estas fintechs através da capacidade de obtenção do maior número de clientes possível, em valuations astronômicos, com elevada injeção de capital nestas companhias, deixando para depois as estratégias para torná-las perenes, rentáveis e sustentáveis.

E enquanto isso, o consumidor estava sendo bombardeado por diversas propostas, com a oferta de vários cartões de crédito em diferentes instituições e, por uma questão de necessidade (lembremos, estávamos no epicentro da pandemia, com o fechamento de diversas atividades pelas autoridades), passou a incorporar os limites para ganhar um fôlego em seu fluxo de caixa, como se estivesse compondo sua renda através dessa enxurrada de plásticos. E foi aí que o mercado perdeu a mão.

Ao longo de 2022 e adentrando para o ano de 2023, os frutos colhidos disso têm sido amargos, traduzidos em um nível de elevação considerável da inadimplência. Segundo os dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 78,5% das famílias brasileiras estão endividadas, sendo este o patamar mais elevado desde janeiro de 2010, quando teve início a série histórica deste indicador.

Dado o cenário, girar o leme para colocar o barco na direção correta é o atual desafio. Exige-se, nesse momento, que os modelos de aprovação de crédito, que contam com uma inteligência de análise bastante fundamentada, funcionem de forma mais precisa, cautelosa, com uma gama maior de variáveis, tudo isso combinado com um eficiente processo e aplicabilidade em Ciência de Dados. As políticas de crédito devem estar sempre otimizadas para conceder recursos tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, mas com especial atenção aos primeiros, para que o consumidor desfrute de uma jornada de crédito promissora, visando o longo prazo, para o próprio bem dele! O brasileiro, em sua ampla maioria, não quer ser um devedor, ele foi direcionado à essa situação.

As empresas que fomentam o crédito para esse público precisam estar cercadas de parceiros que consigam ter uma visão macro da capacidade de pagamento de seus clientes, com a criação de scores específicos que permitam manter um alto e saudável nível de aprovação, de modo eficaz. Quem faz isso consegue estar na contramão do mercado, principalmente em uma fase na qual as instituições financeiras estão mais comedidas por conta do encarecimento dos recursos como resultado da inflação e da alta taxa básica de juros – que em um período de 18 meses saltou de 2% para 13,75% ao ano.

É necessário refletir: se o propósito for promover a inclusão financeira, as empresas e instituições devem avaliar o consumidor sob uma outra ótica. Ainda há um contingente de pessoas desbancarizadas, que não têm nenhuma relação com o sistema financeiro. Isso precisa ser analisado, e a solução talvez esteja em buscar outros caminhos para tentar viabilizar o crédito nesses casos. Controlar o limite oferecido pode ser recomendável. Deixar de enxergá-los, definitivamente, não é a melhor solução. A prosperidade das famílias também passa pela responsabilidade das corporações.

Para solucionar esse ambiente de inadimplência, é preciso investir fortemente em educação financeira, para ajudar os brasileiros a terem equilíbrio em suas contas. Esse tema deve começar inclusive, nos bancos escolares, nas aulas de matemática. Fazer com que as crianças já tenham consciência que se ela ganha X não pode gastar 2X, pois isso pode virar um cenário insustentável, onde não conseguirão controlar seus gastos.

Também é preciso promover campanhas eficientes para que as famílias endividadas detenham condições mais favoráveis para recuperação financeira, com estas instituições alongando prazos para pagamentos e gerando produtos aderentes à situação individual de cada uma delas. O objetivo aqui não é só o de reabilitá-las nos órgãos de proteção ao crédito, mas também, de devolver aos poucos, de modo inteligente, o crédito e o poder de compra para elas.

A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. As pessoas e instituições precisam estar atentas em relação a isso, caso contrário, o Brasil não vai deixar essa crescente de endividamento e inadimplência. O desafio é tornar o crédito um aliado para o consumo, e não um vilão. Acredito que as fases difíceis nos entregam importantes lições, assim como, geram novas oportunidades para quem entra no jogo de longo prazo. Dificilmente, salvo raríssimas exceções, decisões de curto prazo baseadas em movimentos econômicos abruptos geram resultados sustentáveis. Na escolha entre os jogos, eu sempre vou escolher o de longo prazo.

*Tharik Moura é diretor Estratégico da DM, grupo de serviços financeiros especializado em gestão de crédito

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